“A Febre”, de Maya Da-Rin, conquista Locarno com indígena brasileiro
- Humberto Moureira
- 9 de ago. de 2019
- 2 min de leitura
Atualizado: 28 de mar. de 2023

A estreia na ficção da diretora brasileira Maya Da-Rin resulta em um retrato sobre a
“coisificação” e a intolerância vivida pelos índios brasileiros. Justino (Regis Myrupu) é
assolado por um febre, que na trama se envereda pela magia e pela realidade e ao
surgimento de uma criatura que persegue o protagonista
Já em suas primeiras cenas, é possível reconhecer o background da realizadora. A
diretora e também arista visual dirigiu o documentário Terras, que teve estreia em
Locarno em 2010. Embora seja sua primeira direção de ficção, Da-Rin foi assistente de
direção no longa Cazuza: O Tempo Não Pára (Sandra Werneck, Walter Carvalho) e
co-escreveu a história de Amores Possíveis, dirigido também por Werneck.
A Febre tem recebido elogios da crítica em Locarno e compete outros 16 filmes ao
Leopardo de Ouro, prêmio máximo no festival suíço. O longa é delineado por cenas
sem pressa e sem agitação alguma, mas que fisga o espectador. Justino, depois de ter
sido flagrado dormindo em um de seus turnos como vigilante no porto, é advertido. A
cochilo em serviço é patologico e nada tem haver com “matar umas horinhas” no
trabalho.
O vigilante vive com a sua única filha Vanessa, enfermeira, que foi aprovada para
cursar medicina em Brasília e em breve precisa deixar o pai. Inexplicavelmente,
Justino, é assolada por um febre. Ao mesmo tempo em que uma criatura o persegue.
Sua rotina muda quando o novo colega de trabalho Wanderley faz o turno noturno.
Da-Rin conduz os personagens de maneira eficiente e cheia de maturidade pela narrativa. O roteiro bem escrito faz uso da palavra quando essa se faz necessária. A paleta de cores com as quais a diretora trabalha que mostra a verde, marrom e a floresta associada a uma
fotografia escura e um som que cria a atmosfera do filme, embora ficcional tem um
olhar documental.
Por vezes um personagem está no segundo plano e o terceiro plano está desfocado. Já
no primeiro plano vemos um objeto. A composição muito bem elaborada é somada
uma camera na altura dos olhos e ausência de tendenciosos close-ups.
O roteiro tem momentos extremamente políticos. Na primeira conversa do novo
colega, Wanderly, com Justino, ele se apresenta e pergunta: – “Você deve ser o índio?“.
As poucas palavras de Justino nessas cenas mostram o preconceito e silêncio político
como protesto. Noutro momento, o novo vigia diz que “que era capaz e perseguia índios
de verdade“, como se o protagonista, assim não o fosse.
A Febre é um filme honesto, não é didático, retórico. Um Brasil invísivel está lá
presente, cheio de sutilezas sem auto-explicação. Justino não é. um personagem mergulhado em clichê, mas com dilemas, tristezas e problemas do dia-a-dia, o que potencializa o o filme de Da-Ri. É um olhar equilibrado e documental em uma ficção sem a pretensão de ser o que não é.


